FERNANDO BARRETO, O FENOMENO QUE NÃO ACONTECEU / 3ª E ÚLTIMA PARTE
Em 1964, aos 27 anos, Fernando Barreto era uma sombra do notável pugilista do princípio de sua carreira. Lento, pesado e por demais exposto aos golpes dos seus adversários; com sua incrível resistência e queixo de granito, que o deixava abusar irresponsavelmente do punch dos seus contendores, ele ganhava as luta, mas era incontestavelmente que sua carreira já estava próxima ao final. Em Junho de 1964 ele vai a Buenos Aires enfrentar o argentino Hector Mora então campeão sulamericano de pesos médios e o vence por KOT no 9º round. Era a maior conquista da carreira profissional de Fernando Barreto. Ele retorna ao Brasil e começa a traçar planos para lutar com Emille Griffith pelo título mundial. Meses depois volta à Argentina e enfrenta Jorge Fernandez em luta não válida pelo título.Atuando abaixo da crítica, Fernando leva uma surra memorável, e seu treinador Acir Sereno, para evitar um massacre, é obrigado a jogar a toalha no ringue, decretando o abandono no 6º tempo.
Jorge Fernandez era um argentino de ótimas qualidades, que por duas vezes estivera nos USA enfrentando nomes de destaque, e estava entre os dez melhores pesos médios do mundo. Em 1960 lutara duas vezes com Emille Griffith , perdendo ambas por pontos, em 10 tempos. Griffith ainda não era campeão. Em 8/2/1962, Fernandez, primeiro do ranking dos médios, luta com Emille Griffith pelo título e perde por KO no 9º. Quando Barreto enfrentou Fernandez em 1964, o argentino já era um experiente lutador. No ano de 1965 e parte de 1966, Fernando lutou na TV Rio, com adversários de média categoria. Em Maio de 1966, luta com o argentino Antonio Aguillar, empatando em oito rounds. Em 10/06/1966, põe seu título de campeão sulamericano em jogo no auditório da TV Excelsior, São Paulo, contra o mesmo Jorge Fernandez, que o vencera em Buenos Aires, dois anos antes. Fernando apanhou muito, e ninguém acreditava que ele pudesse chegar de pé ao final da luta. No sétimo round, um potente cruzado de direita de Fernandez derruba Barreto, que ao cair, bate pesadamente com a cabeça num dos cantos do tablado; KO no 7º .
Começava ali o maior drama já vivido por um pugilista na história do Boxe brasileiro. Levado a um hospital, Fernando é operado de urgência para retirar dois coágulos do cérebro. Tres dias e três noites entre a Vida e a morte; dezoito dias em coma; três meses sem falar; seis meses em cadeira de rodas; três anos em tratamentos fisioterápicos no Hospital da ABBR, no Rio de Janeiro.Ele saía vivo do derrame cerebral, mas tinha o lado esquerdo, quase todo paralisado.
Conheci-o em todas as fases de sua carreira. Era um lutador de extrema coragem e incrivelmente resistente aos castigos. Era extraordinário atacando, mas não sabia se defender. Por resistir demais, não se poupava de golpes facilmente evitáveis. Ao contrário de Eder Jofre que também se profissionalizou em 1957, Fernando Barreto não teve técnicos, empresários ou amigos que soubessem planejar-lhe a carreira. Desrespeitou as regras do Boxe, e por pouco não pagava com a vida esta ousadia. Não posso culpar o resultado da luta com Jorge Fernandez que encerrou sua carreira, como fatalidade. O nocaute somente acelerou um processo de degeneração física que já vinha se desenvolvendo há alguns anos.
Por muitos anos ele viveu com a mulher e o filho num apartamento de sua propriedade em Vila Isabel, RJ, o único bem que lhe restou do que ganhou no Boxe. Em Abril de 199, aos 62 anos, Fernando Barreto morreu, pobre e esquecido; um lutador que tinha tudo para uma grande carreira; um fenômeno que não chegou a acontecer.
O Boxe, como esporte não pode ser culpado com o que aconteceu com Fernando Barreto. Ele foi negligente defensivamente e apanhou muito por toda a sua carreira de quase 80 lutas (77-67( 44 KOs)-9(5KOs)-1. Não gostava de treinar e não levava uma vida de atleta. Ele mesmo talvez tenha sido seu mais temível adversário. Que Deus guarde sua alma.
Este foi o artigo mais triste que eu escrevi sobre Boxe na minha vida. Talvez por ter conhecido em vida boa parte dos personagens desta tragédia, que foi a Vida do pugilista Fernando Barreto, com quem convivi muitos anos em treinos, campeonatos e no social.
É uma história que deverá ser conhecida por todos aqueles lutadores de Boxe que desejem fazer carreira no Boxe. No final de sua vida, Fernando Barreto se arrastava pelas calçadas, e era lembrado pela parte trágica de sua carreira, e nunca por suas grandes conquistas. Um alerta para aqueles que não levam o Boxe a sério. Aqui está um exemplo, de um craque, que ignorou as regras do jogo, e pagou caro esse engano.
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2017.
Paulo Roberto Godinho