FERNANDO BARRETO, O FENOMENO QUE NÃO ACONTECEU (2)
Metido em encrencas com a Máfia do Boxe dos Estados Unidos, o campeão
mundial dos pesos meio-médios, Don Jordan fugiu do seu país e se refugiou
numa temporada pela América do Sul.
Em Novembro de 1959, Jordan chegou a São
Paulo, e alguém na capital paulista teve a "brilhante ideia" de que seria
uma ótima oportunidade para o brasileiro Fernando Barreto, campeão nacional
da mesma categoria, bater-se com ele em luta não válida pelo título. Dessa
maneira, a tão divulgada caminhada de Barreto em busca do título mundial,
deu-se exatamente contra o próprio campeão mundial, e sem valer nada. O
combate foi em 5 de dezembro de 1959, no ginásio do Ibirapuera.
Apesar de ser um boxeador de notáveis qualidades, Fernando sentiu
emocionalmente, o peso de estar diante do campeão mundial de sua categoria e
só despertou para a luta nos dois últimos rounds, fazendo Jordan passar mal
no 10º e último tempo, em que o campeão, tonto e cambaleante, quase senta
nas cordas, para delírio do público que antevia Fernando Barreto nocauteando
o campeão do mundo. O saudoso e brilhante cronista Henrique Mateucci, no seu
livro "LUZES DO RINGUE", declara, que, se a luta tivesse durado mais 15
segundos, a vitória teria sido por KO a favor do brasileiro. Os jurados
deram a vitória a Don Jordan, no final das 10 etapas.
Era a primeira derrota de um dos maiores e mais promissores lutadores de Boxe do Brasil. Uma semana depois, Jordan seguia para lutar no Luna Park, Buenos Aires(RA), para enfrentar o campeão argentino Frederico Thompson, tendo sido derrotado por
KO no 4º round. Para sorte dele, não valia o título. Com certeza Fernando
"amaciara" o campeão mundial nos poucos rounds que bateu nele, uma semana
antes em São Paulo.
No final de março de 1960, chegava a São Paulo o ex-campeão dos meio-médios
Virgill Akins, pugilista de extrema agressividade e muita experiência, que
perdera o título para Don Jordan. Mais uma vez empresários e conselheiros de
Fernando Barreto acharam que Akins seria um trampolim para o título que
ainda estava com Jordan.
Em 1º de Abril de 1960, no ginásio do Ibirapuera, Virgill Akins impunha um
tremendo castigo ao confuso e inexperiente brasileiro, que demonstrou
coragem espartana e uma resistência brutal, mas acabou perdendo por pontos
em 10 tempos.
Na luta contra Don Jordan acharam que Barreto demorara muito para encarar de
igual para igual o campeão, por isso perdera a luta. Contra Virgill Akins,
Fernando Barreto começou atacando e a experiência do americano tirou
proveito da ingenuidade e da coragem do brasileiro, que acabou a luta muito
abatido e com sérios ferimentos no rosto. A meu ver, Fernando nunca se
preocupou em aprender a se defender; por sua enorme capacidade de assimilar
golpes, abusou a vida inteira desta qualidade, que, mais tarde, cobraria seu
preço. Em apenas quatro meses, Fernando sofria duas derrotas e castigos
preocupantes. Três meses depois da luta com Akins trouxeram outro americano,
Ted Wright, hábil, durão e pegador. Barreto terminou a luta em pé, mas
recebeu um castigo brutal; era a sua terceira derrota nos últimos seis
meses.
Em Outubro de 1960,Fernando foi levado para uma temporada na Itália, e com
ele e o treinador Horácio Molina, levaram outra esperança brasileira que mal
fizera sua sétima luta, o peso galo Raimundo de Jesus, a quem o jornalista
Newton Campos apelidara de " O Galo de Prata" (Eder Jofre era o nosso "Galo
de Ouro"). Na Itália, Fernando lutou duas vezes, perdeu para o italiano
Fortunato Manca (42-1-3), luta suspensa pelo médico devido a forte
hemorragia pelo supercílio esquerdo(TKO) e venceu Jacques Nervi, por TKO.
Raimundo de Jesus foi jogado às feras, enfrentado e perdendo por pontos para
Frederico Scarponi, ex-campeão europeu de galos. Assim eram tratadas as
grandes esperanças do Boxe brasileiro.
Em 1961, Fernando Barreto vai a New York e faz lá duas lutas. Em 26 de
agosto de 1961, no Madison Square Garden, vence por pontos Vince Shomo; em
25 de setembro de 1961, perde para Cecil Shorts por decisão médica,
hemorragias pelos supercílios.
No ano de 1962, Barreto vai lutar na Inglaterra, no Albert Hall, Londres,
contra Henry Mancini, e mais uma vez a fragilidade de seus supercílios, lhe
roubam a vitória. Em 4 de abril de 1992, Fernando volta aos Estados Unidos,
para enfrentar Hank Casey, em Daly City,California, e é batido por pontos em
10 rounds.
De volta ao Brasil, Fernando Barreto resolve reformular sua vida. Mudou-se
de São Paulo para o Rio de Janeiro, trocando o treinador Horacio Molina, que
o acompanhava desde o início de sua carreira, por Acir Sereno, seu cunhado e
treinador no Clube de Regatas Vasco da Gama. Um cirurgião plástico reformou
o rosto de Barreto, mas pouca gente ainda acreditava no futuro do nosso
grande lutador. Em 21 de junho de 1963, desafia Felipe Cambeiro, campeão
brasileiro de médios, e o vence por pontos, ganhando o título.
Sua maneira insubordinada e até relaxada de encarar o Boxe, fez com que ele
lutasse até como meio-pesado. Aos 27 anos, lento, pesado e abusando demais
de sua capacidade de aguentar pancadas, Fernando era uma sombra do que fora
há meia-dúzia de anos passados.
Paulo Godinho
(Este texto foi publicado originariamente no Jornal dos Sports, coluna Papos
e Sopapos, domingo, 9 de julho de 2000)
(CONTINUA)