LUIZ ORTIZ, POR ONDE ANDAVA A TUA CABEÇA ?

04/03/2018

Por Paulo Roberto Godinho

Eu não ficaria em paz com a minha consciência, se não começasse aqui com a opinião do brilhante cronista de Boxe, JORGE TOURINHO, que, agora pela manhã, em pouquíssimas linhas, definiu o que foi e o que poderia ter sido a luta de ontem entre Deontay Wilder e Luiz Ortiz.

Vou resumir numa simples frase as brilhantes observações do Tourinho: "....Se fosse judeu, procuraria o clinche após a segunda queda e maior movimentação para se recuperar e seguir adiante." Primeiro, me levanto da cadeira e aplaudo de pé tantas verdades ditas com poucas palavras, depois, me apresso a explicar a comparação "judeu", que na luta de ontem nos reportou a 76 anos passados, ao Polo Grounds, NY, no dia 18 de junho de 1941, na primeira luta entre Joe Louis e Billy Conn. Evitando más interpretações, me apresso a explicar a origem desse "judeu". Billy Conn era um norte-americano nascido em Pittsburg, cidade de colonização irlandesa no estado da Pensilvania, treinado por Johnny Ray, um judeu, que o levara à conquista do título mundial de meio-pesado. Nesse combate, Conn levava vantagem nas papeletas dos julgadores até o 12º round (na época eram 15) e , no minuto de intervalo, Jack Blackburn, treinador de Louis, o alertou que só o nocaute o salvaria da derrota, mandando-o partir para o tudo-ou-nada no 13º tempo, o que "The Brown Bomber" obedeceu. Incentivado pela enorme plateia "irlandesa" que lotava o Pollo Grounds, Billy Conn , irresponsavelmente, aceitou a trocação com Joe Louis, e, aos 2:58 minutos recebeu um uppercut mortal e caíu por toda a contagem. Era a 18ª defesa de título que Louis fazia, a mais dramática de todas as vinte e cinco que ele fez em sua vitoriosa carreira . Retirando as luvas, desolado, Billy Conn ouvia de seu treinador: "___ Billy, se hoje tivesses uma cabeça de judeu no lugar dessa cabeça de irlandes ,agora, serias o campeão mundial dos pesos-pesados"; alegando que um seu "patrício", jamais arriscaria algo que já, virtualmente, estava conquistado. Setenta e seis anos depois, Luiz Ortiz incorria no mesmo erro de Billy Conn.

Agradecendo ao Jorge Tourinho a sua luminar conclusão, passo a dar a minha opinião da guerra de ontem.

No Barclays Center ontem muita coisa teria que ser provada. Boa parte da Imprensa americana queria ver o marrento Deontay Wilder recebendo golpes, e viu. Luiz Ortiz era o desafiante que, se acreditava não ser um virtuosa na arte da defesa, e, até o 10º tempo, o foi; do queixo de Wilder à técnica de Orttiz, ninguém mais poderá reclamar. Eu lembrei que no canto de Wilder havia Mark Breland um notável amador que no profissionalismo brilhou e chegou ao título mundial, até que rle se conscientizou que não tinha queixo de campeão, e deixou de ser lutador, para ser treinador. Ontem, vi-o frio e calculista, nem mesmo no intervalo do 7º para o 8º tempo, em que Ortiz teve a luta nas mãos e o gongo literalmente salvou Wilder de um KO iminente, Breland exibia uma calma própria daqueles que sabem que as coisas estavam correndo como previstas; Wilder se poupou visivelmente no 8º e 9º para "acordar para a luta" no 10º, quando acertou Ortiz e sentiu que era naquele momento, ou nunca, e acabar com a audácia e irresponsabilidade do cubano, que tinha aos pontos a luta na mão, a dois tempos do final. Bastavam alguns clinches, movimentação esperta e cautelosa, para ganhar o combate aos pontos, mas Luiz Ortiz, como aconteceu com Billy Conn, há 76 anos passados, jogou fora tudo o que conseguira juntar em 10 tempos de lucidez e bons golpes.

Wilder mostrou que aguenta castigo e que é de fato um pegador inigualável, mas falta-lhe estilo; boxeia feio e joga visivelmente, para um "Lucky punch", que, felizmente ontem, conseguiu, e dali, fechou a conta para o cubano.

Não vejo muitas razões para "The Bronze Bomber" entrar escandalosamente no ringue, acompanhado de cantores, atores, ou lá o que seja; com máscara, ensaiando berros e gritarias, e se declarando o maior flagelo dos ringues. Um outro detalhe me chamou a atenção. Os olhos de Wilder durante quase todos os rounds, estavam abertos, como se assustados, frente à presença daquele "King Kong" caribenho. Falta de coragem? Falta de estilo? Falta de confiança? Esses defeitos, o Breland não vai tirar.

Penso que hoje, revendo a luta, Luiz Ortiz irá se questionar, se uma cabeça de "judeu" e meia dúzia de clinches bem feitos, segundo Jorge Tourinho, não lhe dariam a honra de ser o primeiro cubano a sagrar-se campeão mundial dos pesos pesados. Um dia um outro o será.

Foi uma grande luta pelo empenho de ambos e pelas emoções de lado a lado.

Não posso deixar passar aqui o trabalho de Mario "Marinho" Filho, nos comentários desta luta para o FOX SPORTS. Há muito tempo não vejo tanta lucidez e opiniões técnicas oportunas e em cima dos lances. Parabéns Marinho pelo seu trabalho de ontem.

Um ótimo domingo para todos.

Imagem: DAZN